Nova Edição da Revista Intelligere - Nº 9

Convidamos autoras e autores para submissão de artigos tendo em vista o dossiê sobre “Artes, História das ciências e técnicas: interações”, além de textos de fluxo contínuo, temas diversos sobre História da ciência e técnicas, para o próximo número semestral da Revista.
Prazo para submissões: 31/10/2020.
Instruções para envio dos artigos: http://www.revistas.usp.br/khronos/announcement
EDITORIAL
O número 9 da Khronos foi preparado em meio à pandemia da Covid 19, o que representou um desafio tanto para os autores quanto para a equipe de edição, felizmente superado, pois resultou num volume alentado de contribuições bastante significativas.
A chamada para o dossiê sobre Ficção Científica (FC) e a História da Ciência e da Técnica teve uma boa resposta e foram selecionados nove artigos compondo um quadro diversificado e atual de assuntos. Fica assim explícita a relação da FC com a contemporaneidade científica e técnica como base para a extrapolação voltada ao futuro, como aliás já se detecta nos escritos de grandes precursores do gênero, como Edgar Allan Poe e Jules Verne. Um comentário geral é que a FC exerce um questionamento contínuo a um dos temas recorrentes da nossa história: o que é ciência? Em consequência, pode-se afirmar que a FC de algum modo recorre à ciência e ao seu entendimento enquanto atividade humana?
A extinção da humanidade tem sido um dos motes para a FC, como se pode aquilatar pela misteriosa pandemia dizimadora – e mais uma vez a ficção se aproxima da realidade – presente em O último homem (1826), de Mary Shelley, grande apreciadora da divulgação científica de sua época, como evidenciado em seu famoso Frankenstein. O presente dossiê se inicia com Valmir Cassaro, que escolheu algumas séries recentes de televisão que encenam um mundo humano caótico e ameaçado de aniquilação, para problematizar a permanência de relações fortes, como aquela entre dominação e submissão. As séries se apropriam de ameaças globais, reais ou imaginárias, como os vírus ou o ecopessimismo, carregado de tintas malthusianas.
A aproximação da ficção com a realidade atual aparece de forma assustadora nas propostas lançadas pelo movimento do trans-humanismo, em que se justificam técnicas como a do implante de dispositivos eletrônicos para melhorar o desempenho do corpo humano. Bianca Castilho e Francisco Rômulo Ferreira analisam essa tendência por meio de desfiles de moda, que efetivamente já ocorreram e em que “ciborgues” se vangloriam de sua perfeição corporal, tendo chegado ao radicalismo da auto-amputação para implante de membros artificiais. O ser biônico resultante junta-se assim à antiga tradição da história de autômatos, num horizonte inquietante.
O grupo norte-americano de escritores de FC na primeira metade do século XX The Futurians incluiu vários futuros expoentes do gênero, como Isaac Asimov. Andreya Seyffert nos apresenta os ideários dessa comunidade, ressaltando a figura de Charles Fort e a concepção de ciência em crise, que culmina em argumentos utilizados pela FC da revista. O “herói” típico dessa época se arrisca em ir além da ciência “paradigmática”, ganhando contornos trágicos por sua ousadia.
Um cientista notável e que também se tornou pioneiro da FC das viagens cósmicas foi Johannes Kepler, com sua obra Somnium, que influenciaria grandes nomes dessa literatura. Apoiando-se em Carlo Ginzburg e Gadamer, Gustavo Giacomini trata dessa narrativa ficcional, de fundo alegórico e filosófico, ao mesmo tempo que autobiográfica e científica. Por meio de um indivíduo que personifica a si mesmo, o conhecido físico e astrônomo Kepler conta uma viagem à Lua, em meio a cogitações sobre o efeito da gravidade na viagem, até a chegada em nosso satélite, com sua atmosfera rarefeita e geografia diferenciada.
Há uma aparente contraposição entre a Singularidade e a série de televisão Black Mirror, embora ambas projetem o desaparecimento do atual ser humano, tema discutido por Fabiano Faleiros. O conhecido inventor e empreendedor norte-americano Raymond Kurzweil, atualmente diretor de engenharia da Google, subscreve uma visão otimista da tecnologia, de acelerado progresso, não apenas técnico, mas também social. Adepto da Inteligência Artificial “dura”, ele vê um gargalo no cérebro humano para a expansão da criatividade, mas no futuro se preservará, porém, a principal característica dos homens, que é a de sempre ficar insatisfeito perante quaisquer limitações. Já a série televisiva é tecno-fóbica e, apoiada no cyberpunk, julga que o perigo está na tecnologia em si e não em quem a emprega. O confronto entre ambas visões é mediado nesta análise pelo trabalho do filósofo Gilbert Simondon. Assim, o motivo da substituição de homens por máquinas, de longo histórico na FC, se abre para a perspectiva do diálogo interdisciplinar – aliás, a razão de ser da própria História da Ciência.
A comunicação científica como a conhecemos hoje começou a se intensificar no século XVII, até chegar na avassaladora quantidade de publicações eletrônicas da atualidade. Carolina Sotério e Matheus Populim repassam este desenvolvimento até a era das comunicações espaciais, examinada por meio do filme Perdido em Marte. O enredo do próprio filme ao focalizar as etapas sucessivas de sucesso na comunicação entre o astronauta perdido e a Terra seria, então, uma representação metalínguística do desenvolvimento histórico das comunicações. A ciência evolui sempre como uma realização coletiva e não individual, ao contrário da posição infelizmente ainda defendida em certas visões simplistas da História da Ciência.
A primeira metade do século XX viu surgir nos EUA a publicação de Amazing Stories, editadas por Hugo Gernback para ajudar a transpor o abismo entre a cultura literária e as ciências naturais. Victória Flório e Olival Freire Jr. contam como o sucesso dessas histórias contribuiu positivamente para a divulgação científica. A visão da FC como uma possibilidade de ser “ciência do futuro” aproximou imaginação e realidade, que se tornou a prática de outras publicações que se seguiram, como foi o caso da famosa Popular Science.
O cinema volta à baila para discutir o trânsito do cientista adepto do dogmatismo realista para o ceticismo moderado. Trata-se da personagem central do filme Contágio, conforme a análise que lhe dedicam Anna Carolina Temporão e Guilherme Temporão, para tratar da questão epistemológica de como surge o conhecimento. A progressiva aproximação da verdade e de como alcançá-la vem desde pensadores antigos e medievais até o período moderno e o atual da filosofia ocidental, mas o autor do livro que deu origem ao filme, Carl Sagan, estaciona no ponto do relativismo final e individual da cientista que protagoniza ambas as obras.
As fronteiras entre ciência e ficção não são, em geral, muito claras. Alana Albuquerque encerra o dossiê seguindo o percurso delineado por Isabelle Stengers em pós da “invenção” da ciência moderna. A “verdade” científica é algo historicamente delimitado, ao passo que a também ficção na ciência se depara com a possibilidade de fazer hipóteses. A especulação é legítima e se encontra numa interseção entre filosofia, ciência e ficção, justamente o locus em que se acha a FC, permitindo-nos lançar a pergunta: com que sonha hoje a ciência?
Plantas de uso medicinal, ou para confeccionar bebidas alcoólicas, venenos ou simplesmente decorativas, têm sido tradicionalmente estudadas pelo ramo da etnobotânica. Diversas etnias índias brasileiras foram assim descritas por pioneiros como Claude Lévi-Strauss em sua fase de professor da recém-fundada primeira universidade brasileira em São Paulo. Jéssica Gaudêncio aborda como a bioquímica tem revelado que esses indígenas acumularam um vasto conhecimento ao longo dos tempos e de eficácia hoje reconhecida, juntamente com suas práticas culturais.
Tradicionalmente no Ocidente a categoria profissional de cirurgião era considerada inferior à do médico, pois o primeiro representava um saber prático, que se revelava em sua atividade manual, aspectos depreciados frente ao segundo, profissão de cunho mais teórico e filosófico. Ana Carolina Viotti examina as contribuições de três cirurgiões portugueses que viveram no Brasil colonial em diferentes momentos do século XVIII, por meio de manuais por eles escritos. Esses profissionais expandiram sua prática, expandindo-a até invadirem o terreno usualmente reservado aos médicos, expondo seus métodos de curar doenças de alta incidência na época.
A teoria corpuscular newtoniana da luz parecia ter ganho a batalha contra sua rival teoria ondulatória de Huygens nos campos científicos da Europa. Portugal na segunda metade do século XVIII, após as reformas de teor iluminista introduzidas por Pombal, aderiu firmemente ao cânone newtoniano. Com base em manuscrito não publicado, Breno Moura revela que o jesuíta português Estêvão Cabral foi uma notável exceção desse período, levantando várias objeções aos corpúsculos de luz, e fazendo experiências a favor das ondas luminosas.
O setor industrial paulista já estava em franca ascensão durante as primeiras décadas do século XX e pôde contar com o ensino técnico para trabalhadores, principalmente no setor avançado que eram as ferrovias de São Paulo. Ana Torrejais destaca a atuação do engenheiro Roberto Mange, oriundo dos quadros da Escola Politécnica de São Paulo. Criador do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional, localizado na sede da Estrada de Ferro Sorocabana na capital estadual, estabeleceu uma tradição de aulas teóricas e práticas que formaram um modelo profissional disseminado pelo interior do Estado e do país. Aquela instituição foi posteriormente substituída pelo atual SENAI, herdeiro da tradição de excelência no ensino, mesmo depois da decadência do transporte ferroviário.
O filósofo irlandês Berkeley observou em viagem à Itália as erupções do Monte Vesúvio em 1717, registrando suas impressões em carta traduzida por Jaimir Conte. Nossa edição se encerra com a comunicação feita por Everton Alves sobre a descoberta de tecidos moles em fósseis, que permitem a controversa extração do DNA, e inauguraram o recente campo da paleontologia molecular.
Desejamos aos leitores uma leitura agradável e que suscite a curiosidade sobre tantos assuntos fascinantes.
Gildo Magalhães - Editor
Para sua 9a. edição, Khronos – Revista de História da Ciência, propõe um dossiê sobre o tema “Ficção científica e a história da ciência e da técnica”. A revista espera receber trabalhos históricos sobre as formas dessa relação entre ficção, ciência e técnica, mas também está aberta a outras contribuições teóricas, em fluxo contínuo.
Novo prazo para submissões: 30/06/2020
Instruções para envio dos artigos:
http://www.revistas.usp.br/
Houve muitas epidemias na história, que se espalharam por áreas maiores ou menores, mas poucas teriam abrangência geográfica comparável com pandemias da época contemporânea, pois hoje o contágio é bem mais rápido e explosivo.
A Inglaterra, por exemplo, serviu como motivo para uma das primeiras obras da literatura dedicada ao assunto, com o “Diário do ano da peste”, de Daniel Defoe (1722), que se refere à grande peste bubônica de 1665.
Temos anteriormente o conhecido relato bíblico das pestes do Egito, argumento para forçar o faraó a libertar Moisés e os hebreus, ou a narrativa de Tucídides, sobre a peste em Atenas em 430 a.C., que teria matado metade da população, ou ainda surtos de lepra em vários locais da Antiguidade.
Nessas épocas já surgiu uma importante controvérsia, se essas doenças eram transmitidas pelo ar (“miasmas”), ou pelo contágio físico entre as pessoas. A disputa se tornou mais aguda com a implantação no Ocidente de uma prática comum entre os muçulmanos, que foi a construção de hospitais, forma de isolar os doentes da população em geral.
Certamente uma doença com característica pandêmica foi a chamada peste negra, que teve vários surtos, alguns oriundos da Ásia, o principal se iniciando na metade do século 14, e que reduziu a população de nações europeias à metade ou a um terço do original, com graves consequências econômicas, sociais e demográficas. Tratava-se da peste bubônica, transmitida por pulgas de ratos, e sua proliferação teve a ver com condições de higiene precárias, agravadas por políticas depauperantes. Por ignorância, por vezes os judeus foram considerados culpados pela doença, sendo então perseguidos e mortos. Havia também a superstição de que o surgimento de cometas seria um sinal anunciando a chegada da peste.
As grandes navegações foram um empreendimento de caráter globalizante e a isto se deve a eclosão de surtos de várias doenças (“febres”), transmitidas pelos marinheiros: febre amarela, sífilis, tifo, varíola, etc.. A febre amarela, por exemplo, chegou no Brasil em 1685, por meio de um navio que aportou em Recife.
A disseminação de microscópios a partir da primeira metade do século 17 foi um fator muito relevante para a confirmação do contágio através de micróbios invisíveis a olho nu, fundamental para o trabalho de Robert Koch sobre a tuberculose na segunda metade do século 19. Outro avanço importante foi a introdução da vacina contra a varíola, técnica trazida da Turquia para a Inglaterra em 1722, e a partir de então estudada intensamente, não sem causar confrontos sociais e médicos em torno de seu uso.
Deve-se destacar também o papel do pesquisador e médico austro-húngaro Semmelweiss, que descobriu na segunda metade do século 19 que os médicos podiam ser uma grande fonte de contágio pela falta de higienização de suas mãos, vestes e instrumentos usados para tratar de doentes. A conclusão, a partir das mortes por febre puerperal, foi rapidamente generalizada para outras doenças. É dessa época também o trabalho do médico inglês John Snow, que estabeleceu a transmissão do cólera por meio de água contaminada por vibriões. Esta foi certamente uma época de pandemia, pois o cólera irrompeu em vários países e continentes, inclusive no Brasil. Nesse contexto ressurgiu com força a controvérsia científica entre contágio pelo ar ou contágio direto entre as pessoas. De toda forma, isto intensificou a importância da saúde pública e das medidas de higiene em geral.
No entanto, o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) coincidiu com uma pandemia de grandes proporções, a chamada gripe espanhola, que chegou a matar rapidamente cerca de 30 milhões de habitantes do planeta.
Os vetores do contágio foram sendo aos poucos identificados (como mosquitos e outros insetos como os barbeiros) e os processos pelos quais as doenças chegam ao corpo humano. Um dos trabalhos mais importantes foi a descoberta do bacilo da peste bubônica por um membro da equipe do cientista Pasteur, Alexandre Yersin, em 1894, que permitiu debelar uma nova pandemia desta doença. São ainda destaques nesse sentido os trabalhos no Brasil de Osvaldo Cruz e Carlos Chagas. Grandes avanços na ciência da imunologia permitiram entender melhor como se poderiam produzir vacinas e tratamentos, apesar de doenças virais importantes continuarem a desafiar a ciência, como AIDS e a COVID-19.
Gildo Magalhães
Professor Titular do Dep. História da USP
Diretor, Centro de História da Ciência da USP
O número 7 de Khronos apresenta o dossiê “Desafios Contemporâneos”, que traz uma seleção de trabalhos apresentados no Segundo Congresso de História da Ciência e da Técnica”, ocorrido na Universidade de São Paulo de 8 a 10 de abril de 2019. Mais de duas centenas de trabalhos de docentes, alunos de graduação e pós-graduação foram discutidos, em meio a uma intensa programação que incluiu atividades culturais, bem como conferências e mesas-redondas.
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* Ronald Brashear é graduado e mestre em Física e doutor em História das Ciências com uma tese sobre História da Astrofísica. Atua desde 1988 como curador de coleções científicas, em especial manuscritos e livros raros. Atualmente é diretor da biblioteca de História da Química do Science History Institute (Filadélfia-EUA).
Ronald Brashear participou da conferência de encerramento do 2º Congresso de História da Ciência e da Técnica, com o tema "Preserving the heritage of modern Science "realizada no dia 12 de abril de 2019. Este video está disponível no canal do Centro de História da Ciência no Youtube
"Leonardo da Vinci, gênio da arte e ciência é debatido na USP"
https://jornal.usp.br/cultura/leonardo-da-vinci-genio-da-arte-e-ciencia-e-debatido-na-usp/
*Mario Taddei participou da conferência de abertura do 2º Congresso de História da Ciência e da Técnica, realizada no dia 10 de abril de 2019.
Leonardo Da Vinci and virtual archaeology as methodological tool , foi o tema abordado pelo pesquisador, o video está disponível no canal do Centro de História da Ciência no Youtube. Mário Taddei também realizou a palestra "Leonardo da Vinci no Século XXI: História da Ciência e Computação Gráfica", organizada pelo grupo Khronos e realizada no dia 09 de abril no IEA/USP.
* Intelligere, Revista de História Intelectual é um periódico científico semestral, eletrônico, trilingue (português, espanhol, inglês) dedicado aos estudos de História Intelectual e História das Ideias.
Intelligere publica artigos originais, entrevistas, resenhas de livros, notícias de pesquisa em andamento, traduções e fontes documentais relevantes para a história intelectual.
* Khronos – Revista de História da Ciência é uma publicação semestral do CHC - Centro Interunidades de História da Ciência da Universidade de São Paulo (fundado em 1988) - voltada para a história e epistemologia das ciências naturais, ciências da vida, ciências humanas, técnicas e áreas correlatas. A perspectiva é interdisciplinar e visa estimular as possibilidades interpretativas dos processos de conhecimento científico e técnico em seus contextos históricos.
São publicados resultados de pesquisas originais relativas a temas desde a Antiguidade até o século 21, inclusive. Além destes, são bem vindos textos de memórias de cientistas ou de instituições, bem como traduções inéditas, resenhas, notícias de projetos de pesquisa e outros assuntos de interesse para historiadores.