A capa desta 11ª edição de Khronos ilustra um dos momentos decisivos na história da ciência, compreendida esta como uma tentativa de entender e transformar o mundo em que vive o homem. Trata-se da introdução na Europa da perspectiva dita “exata” ou “matemática” no desenho e na pintura, que foi prontamente aplicada por arquitetos para projetar “cidades ideais”, com espaços urbanos amplos, um cenário para a circulação de pessoas, objetos e ideias renascentistas, Note-se que as ideias centrais desta inovação técnica repousavam em estudos de óptica desenvolvidos na Grécia antiga e retomados na cultura islâmica, e especialmente aprofundadas por Al-Hazen, que foi prontamente traduzido e introduzido na Europa medieval. O trânsito cultural foi igualmente importante para o desenvolvimento histórico da ciência e sobre isto trazemos alguns exemplos nos textos deste número da revista.

Uma das interfaces que são possíveis e representam uma gama de assuntos bastante variada é a história das relações entre a história da ciência e a religião. A oposição entre os campos científico e religioso foi historicamente construída com propósitos nem sempre explicitados, como mostra o texto de Josué Bertolin, que opta pela possibilidade de diálogo e não confronto entre aquelas áreas.

Um grande problema já abordado em edições anteriores da Khronos tem sido o uso de chavões e simplificações pedestres para introduzir conceitos e temas de história das ciências e técnicas no ensino. Uma visão idealizada e distante da prática, tanto em épocas anteriores como atualmente, é adotada nos livros-texto e nas abordagens praticadas no ensino fundamental e médio do país (às vezes também extrapolada para o ensino universitário). Tornam-se assim fundamentais análises críticas, que valorizam a apresentação de controvérsias no desenvolvimento científico, como aquelas empreendidas nesta edição pelos textos de Guilherme Sedlacek e Bernardo Pereira. Ambos se debruçaram sobre a produção de textos didáticos e diretrizes educacionais atuais no país, com atenção especial para o tema de revoluções científicas.

Ainda dentro do recorte de análises historiográficas, apresenta-se o artigo de Gabriel Rodrigues, em torno da pretendida dicotomia entre teoria e prática científica. Essa distinção tem sido praticada até a nível institucional, mas a história tem contribuições para dissolver essa fronteira, construída por razões historicamente detectáveis, por sua carga ideológica e idiossincrática. Por outro lado, Thales Silva, Lucas Santos e Maria Luiza Vasconcelos discutem a historiografia cognitiva, estreitando as relações entre natureza e cultura, determinismo e contingência, internalismo e externalismo e introduzindo uma interessante componente biológica na discussão, através das lentes da evolução e, particularmente,da visão epigenética do desenvolvimento.

Uma análise da correspondência de Charles Darwin com John Henslow durante a famosa viagem do Beagle é apresentada por Bruno Valverde e Cristina de Campos, apontando para a conexão do empreendimento naturalista com interesses políticos, econômicos, religiosos e outros, inseridos numa esfera de exercício do poder imperialista britânico.

Inauguramos neste número da revista uma Seção intitulada “Debates”,com uma exposição de Luiz Carlos Molion cobre a controvérsia histórica e científica do aquecimento global antropogênico. Convidamos assim nossos leitores a se manifestarem por meio de novos artigos que possam dialogar com esse tema bastante atual, não obstante estar ligado a uma história bem mais anterior do clima terrestre.

Afonso Taunay foi autor de uma extensa produção bibliográfica como dicionarista de termos científicos e técnicos, relativamente pouco conhecida e discutida em nossa historiografia. Apresentamos uma resenha de algumas de suas obras nesse campo, esperando chamar a atenção para a necessidade de mais pesquisas nessa direção.

A presente edição se encerra com uma nota de pesar pelo falecimento do insigne professor e pesquisador Shozo Motoyama, recordando seu papel fundamental na institucionalização da história da ciência no Brasil, e especificamente na criação do Centro de História da Ciência da Universidade de São Paulo e desta revista.

Desejamos aos leitores que a leitura deste número da Khronos seja proveitosa e agradável.
Gildo Magalhães - Editor

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