Houve muitas epidemias na história, que se espalharam por áreas maiores ou menores, mas poucas teriam abrangência geográfica comparável com pandemias da época contemporânea, pois hoje o contágio é bem mais rápido e explosivo.
A Inglaterra, por exemplo, serviu como motivo para uma das primeiras obras da literatura dedicada ao assunto, com o “Diário do ano da peste”, de Daniel Defoe (1722), que se refere à grande peste bubônica de 1665.
Temos anteriormente o conhecido relato bíblico das pestes do Egito, argumento para forçar o faraó a libertar Moisés e os hebreus, ou a narrativa de Tucídides, sobre a peste em Atenas em 430 a.C., que teria matado metade da população, ou ainda surtos de lepra em vários locais da Antiguidade.
Nessas épocas já surgiu uma importante controvérsia, se essas doenças eram transmitidas pelo ar (“miasmas”), ou pelo contágio físico entre as pessoas. A disputa se tornou mais aguda com a implantação no Ocidente de uma prática comum entre os muçulmanos, que foi a construção de hospitais, forma de isolar os doentes da população em geral.
Certamente uma doença com característica pandêmica foi a chamada peste negra, que teve vários surtos, alguns oriundos da Ásia, o principal se iniciando na metade do século 14, e que reduziu a população de nações europeias à metade ou a um terço do original, com graves consequências econômicas, sociais e demográficas. Tratava-se da peste bubônica, transmitida por pulgas de ratos, e sua proliferação teve a ver com condições de higiene precárias, agravadas por políticas depauperantes. Por ignorância, por vezes os judeus foram considerados culpados pela doença, sendo então perseguidos e mortos. Havia também a superstição de que o surgimento de cometas seria um sinal anunciando a chegada da peste.
As grandes navegações foram um empreendimento de caráter globalizante e a isto se deve a eclosão de surtos de várias doenças (“febres”), transmitidas pelos marinheiros: febre amarela, sífilis, tifo, varíola, etc.. A febre amarela, por exemplo, chegou no Brasil em 1685, por meio de um navio que aportou em Recife.
A disseminação de microscópios a partir da primeira metade do século 17 foi um fator muito relevante para a confirmação do contágio através de micróbios invisíveis a olho nu, fundamental para o trabalho de Robert Koch sobre a tuberculose na segunda metade do século 19. Outro avanço importante foi a introdução da vacina contra a varíola, técnica trazida da Turquia para a Inglaterra em 1722, e a partir de então estudada intensamente, não sem causar confrontos sociais e médicos em torno de seu uso.
Deve-se destacar também o papel do pesquisador e médico austro-húngaro Semmelweiss, que descobriu na segunda metade do século 19 que os médicos podiam ser uma grande fonte de contágio pela falta de higienização de suas mãos, vestes e instrumentos usados para tratar de doentes. A conclusão, a partir das mortes por febre puerperal, foi rapidamente generalizada para outras doenças. É dessa época também o trabalho do médico inglês John Snow, que estabeleceu a transmissão do cólera por meio de água contaminada por vibriões. Esta foi certamente uma época de pandemia, pois o cólera irrompeu em vários países e continentes, inclusive no Brasil. Nesse contexto ressurgiu com força a controvérsia científica entre contágio pelo ar ou contágio direto entre as pessoas. De toda forma, isto intensificou a importância da saúde pública e das medidas de higiene em geral.
No entanto, o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) coincidiu com uma pandemia de grandes proporções, a chamada gripe espanhola, que chegou a matar rapidamente cerca de 30 milhões de habitantes do planeta.
Os vetores do contágio foram sendo aos poucos identificados (como mosquitos e outros insetos como os barbeiros) e os processos pelos quais as doenças chegam ao corpo humano. Um dos trabalhos mais importantes foi a descoberta do bacilo da peste bubônica por um membro da equipe do cientista Pasteur, Alexandre Yersin, em 1894, que permitiu debelar uma nova pandemia desta doença. São ainda destaques nesse sentido os trabalhos no Brasil de Osvaldo Cruz e Carlos Chagas. Grandes avanços na ciência da imunologia permitiram entender melhor como se poderiam produzir vacinas e tratamentos, apesar de doenças virais importantes continuarem a desafiar a ciência, como AIDS e a COVID-19.

Gildo Magalhães

Professor Titular do Dep. História da USP

Diretor, Centro de História da Ciência da USP