Histórias de cometas nas Américas, séculos XVII e XVIII: ciência, política e mundos coloniais​​​​​​​cartaz

Thomás Haddad (EACH-USP)

O reconhecimento da importância das observações de cometas nos grandes debates sobre o "sistema do mundo" que dominaram a astronomia europeia a partir da segunda metade do século XVI até a época de Newton é um tópico padrão da história das ciências. Essas observações, e a interpretação do fenômeno, têm uma relevância incontornável para qualquer discussão sobre as controvérsias em torno do copernicanismo, a gênese de modelos alternativos (como o de Tycho Brahe), a exploração dos limites da filosofia natural de base aristotélica, a ascensão da astronomia telescópica, ou o valor dos dados da experiência em relação à imagem matemática da natureza. No contexto europeu da primeira modernidade, o papel desempenhado pelos cometas em registros culturais ditos "populares" também já foi minuciosamente explorado: sua associação a presságios, calamidades, portentos ou signos da cólera divina, entre outros, é um tema clássico de algo que poderíamos denominar uma história das sensibilidades na Europa, com lugar de destaque para aquela representada pelo medo político. Assim, podemos encontrá-los presentes em tratados astronômicos, mas também em panfletos políticos, em correspondências entre matemáticos e em sermões religiosos, em gravuras técnicas e imagens apocalípticas, todos meios de ampla circulação geográfica, social e cultural na Europa dos séculos XVI e XVII. Muito menos explorada é a situação nas diversas possessões coloniais dos impérios português, espanhol e inglês nas Américas, ainda que, somente na segunda metade de Seiscentos, sejam conhecidas quase duas dezenas de relatos impressos localmente sobre observações realizadas no continente (sobretudo na Cidade do México, em Lima e em Boston), além de material finalmente impresso na Europa, mas originado no Novo Mundo (por exemplo, em Salvador). Examinando essas fontes, em comparação com relatos produzidos no continente europeu sobre os mesmo eventos, esta comunicação procura esboçar algumas formas de aproximação a uma questão simples, mas decisiva: ver um cometa a partir de espaços coloniais é diferente de observá-lo do outro lado do Atlântico? Evidentemente, o problema se desdobra em muitos outros: as condições e práticas materiais da observação são as mesmas? As condicionantes culturais das interpretações possíveis são unificadas pelo pertencimento às mesmas grandes "áreas imperiais", ou a situação colonial se impõe, e o que interessa a um pastor puritano na Nova Inglaterra não é o mesmo que ao astrônomo real (e também clérigo) em Greenwich, e o que vê o cosmógrafo do Vice-Reino do Peru é diferente daquilo que captura a atenção de seu congênere em Madri? Como circulam - ou não circulam - as técnicas de observação, as interpretações, os temores? Como estes atormentam os corpos políticos coloniais? Antes de oferecer respostas que se pretendam definitivas, nosso objetivo é refletir sobre as linhas diretoras de uma investigação das astronomias - e das sensibilidades "político-astronômicas" - coloniais nas Américas.

O Prof. Haddad é doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (2004), com estágio de pós-doutorado no Grupo de História Cultural das Ciências, no Instituto de Historia, Consejo Superior de Investigaciones Científicas (IH/CSIC), em Madrid, Espanha (2011). É professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, na área de história das ciências, atuando na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais. Foi professor dessa área no Programa de Pós-Graduação em História Social da FFLCH/USP. Atualmente é editor da Revista Brasileira de História da Ciência, Charles H. Watts Memorial Visiting Professor/R. David Parsons Fellow da John Carter Brown Library (Brown University, EUA), vice-presidente da Science & Empire Commission da Division for the History of Science and Technology (DHST/IUHPST/UNESCO), membro dos conselhos do LabCiTe: Laboratório de História das Ciências, Tecnologia e Sociedade e do FINISTERRA_lab: Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre os Impérios Ibéricos na Época Moderna, ambos do Departamento de História da FFLCH/USP, e conselheiro da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC). Foi membro da diretoria da SBHC (2012-2014) e conselheiro regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (2009-2011). Suas pesquisas se concentram na história das práticas e saberes cosmográficos e astronômicos nos impérios ibéricos nos séculos XVII e, ocasionalmente, XVIII.

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